A alheira de Mirandela é um dos mais particulares alimentos portugueses e uma das maravilhas da gastronomia de Portugal. E, de entre toda a variedade de alheiras disponível no mercado nacional, esta é a rainha de todas elas.
A alheira é assim um enchido típico da culinária portuguesa, que surgiu na tradição do fumeiro nacional e que tem como grande particularidade o facto de ser o único que é feito com carne de aves em vez da de porco.
A isto juntam-se outros ingredientes que incluem o pão, o azeite, a banha, o alho e o colorau, o que lhe confere uma cor e uma textura bem distinta de todos os restantes enchidos, tornando-o mais versátil, eclético e leve.
A alheira é assim um enchido que, à semelhança da maioria, tem o formato cilíndrico e a forma de uma ferradura. É feita com a tripa da vaca, que é enchida com os ingredientes da alheira, e depois as pontas são seladas e atadas com um fio entre elas. Este fio serve para pendurar a alheira no fumeiro, onde fica exposta ao fumo até ficar pronta a ser consumida.
Origem da Alheira de Mirandela
O filme que John Ford realizou em 1962, “The Man Who Shot Liberty Valance”, ficou imortalizado na história do cinema por dois factos. O primeiro por ser considerado pelos especialistas como o último dos westerns clássicos; e o segundo pela fala, uma das mais citadas na história da sétima arte, que diz “quando a lenda se torna um facto, imprima-se a lenda”.
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Ou seja, quer isto dizer que existem histórias, lendas e mitos urbanos que são bem mais interessantes do que a realidade. E que, por isso, muitas vezes se aceita essa versão alternativa por ser bem mais colorida.
É o que acontece com a alheira e a sua origem. Diz a lenda que esta foi criada pelos cristãos-novos, em Portugal no século XV, que eram obrigados a tocarem a sua fé judaica pela cristã sob pena de arderem na fogueira na Inquisição.
De forma a enganarem os restantes, esses cristãos-novos criaram a alheira, um enchido com carne de aves em vez de porco, que enganava quem os via a comer, acreditando que estavam definitivamente convertidos, uma vez que a religião judaica proíbe o consumo de carne de porco.
No entanto, essa é uma história que, muito provavelmente, não passa de uma ideia romântica popular, uma vez que não existe qualquer evidência ou facto histórico que a sustente.
Dizem os historiados e restantes especialistas que o mais provável é que a alheira tenha nascido da necessidade. No norte do país é forte a tradição do fumeiro, um sistema de conservação da carne por exposição ao fumo, e tendo em conta a pobreza e a escassez de alimento que havia durante esse período.
É bem possível que as pessoas tenham sentido necessidade de conservar a carne dos diversos animais que criavam para o seu próprio consumo, incluindo as galinhas e restantes aves de capoeira.
O que é certo é que, de uma forma ou de outra, a alheira surgiu no norte do país, tendo rapidamente espalhado por todo o território continental e, claro, pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores.
Hoje em dia é impossível parar em qualquer restaurante de Portugal e não encontrar a alheira presente no seu cardápio. No entanto, enquanto que no norte ela é servida preferencialmente grelhada, no sul esta aparece sobretudo consumida frita.
A alheira de Mirandela
Existem várias alheiras registadas e protegidas em Portugal com o devido selo de certificação que garante a sua qualidade e autenticidade. Contudo, é a alheira de Mirandela aquela que é possivelmente a mais popular e bem-afamada de todas.
Aliás, não é por acaso que esta foi nomeada uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa, um certame criado para promover o melhor da cozinha nacional.
A alheira de Mirandela recebeu a proteção do selo ETG, de Especialidade Tradicional Garantida, no ano de 1996, quando lhe foi conferido pelo Governo nacional e autorizado pela Comissão Europeia.
Isto significa que esta só pode ser produzida nesse mesmo concelho, pelos produtores locais, que assim perpetuam uma tradição com séculos, garantindo uma qualidade acima da média deste enchido muito particular.
Além disso, a alheira de Mirandela foi ainda reconhecida com o selo IGP, de Indicação Geográfica Protegida, pela Comissão Europeia, o que a distinguem dos restantes sentidos pelo seu paladar e aroma únicos, assim como a sua forma de confeção.
As restantes alheiras nacionais distinguidas em Portugal são as de Barroso-Montalegre e as de Vinhais, ambas detentoras também do mesmo selo IGP.
Como é óbvio, hoje em dia a produção da alheira é essencialmente industrial. No entanto, a exigência elevada por uma qualidade ímpar que estes selos obrigam a ter, fazem com que a qualidade do processo seja irrepreensível, garantindo que a sua essência se mantenha nos dias de hoje,
Para quem puder se deslocar a Mirandela, facilmente encontrará alheiras de produção caseira, ainda com recurso à antiga técnica artesanal do fumeiro, onde podem desfrutar do sabor original deste enchido único do nosso país.
Receita de Alheira de Mirandela
O grande truque – e dificuldade – em confecionar alheira passa por garantir que esta não rebente no momento da grelha ou da fritura. Para isso, antes de começar, deve utilizar um garfo para furar a alheira na longitudinal, de forma a garantir que esta não se vai esfarelar no momento em que for ao lume.
Depois, é também muito importante ter atenção ao momento da confeção. Existem dois pormenores fundamentais para garantir que a alheira fica com a textura e a cor correta, sem rebentar. O primeiro tem a ver com a quantidade de óleo colocado na frigideira; e o segundo prende-se com o tempo em que esta fica a cozinhar.
Assim, não deve colocar demasiado óleo na frigideira. Deve deixar a alheira cozinhar durante 4 minutos no máximo, até ficar dourada, mudando depois de lado.
Repita o processo e sirva-a assim, no ponto, juntamente com o acompanhamento que escolher: batata frita ou cozinha, legumes e salada. A acompanhar recomenda-se um vinho tinto, especialmente da zona do Dão, mais encorpado, servido à temperatura ambiente. Bom apetite!
Onde comer
Atualmente é impossível não encontrar a alheira presente em qualquer restaurante ou supermercado de Portugal, mas a verdade é que continua a ser diferente consumir este enchido no norte ou no sul do país. É que, enquanto que no norte esta é essencialmente servida grelhada, no sul vemos mais alheira frita.
Assim, em Trás-os-Montes, no Minho ou praticamente em todo o território acima do Mondego, a alheira é confecionada grelhada ou assada em lume brando, sendo servida com batata cozida e legumes variados.
Em contrapartida, mais a sul, esta é servida frita, com batata frita, ovo estrelado, alface e tomate. Não existe, portanto, uma forma correta de servir a alheira, inclusive a de Mirandela, já que ambas as opções são muito deliciosas. Fica ao critério e ao gosto de cada um.
A alheira de Mirandela acaba por se destacar das restantes, nomeadamente da de Vinhais, por ser mais suave e menos temperada. É, por isso, um prato mais leve, muitas vezes servido ao almoço como refeição rápida e até mesmo ao jantar. Além disso, pode ser servido de forma mais informal ou em ocasiões mais chiques, com um maior aprumo ou empratamento requintado.
Existem ainda algumas variações muito populares nos restaurantes nacionais. É o caso da alheira com ovos mexidos, por exemplo, em que é removida a pele e preparada juntamente com os ovos, misturados até formarem uma textura única e ligeiramente húmida. Ou então o caso dos folhados de alheira com espinafres, que têm ganho maior popularidade na última década, juntamente como entrada.
Onde comprar
Como já referimos, a alheira pode ser encontrada em qualquer supermercado ou restaurante do país, seja no território continental, seja nas regiões autónomas da Madeira ou dos Açores. A certificação europeia da alheira de Mirandela e não só garante-lhe uma qualidade acima de qualquer suspeita, independentemente do local em que se encontra.
Além disso, a alheira não é um produto caro, sendo um alimento extremamente económico, cujo preço varia entre €1,5 e €4 dependendo da marca e do produto em si. Além disso, pode comprá-las diretamente aos produtores, especialmente em mercados e feiras regionais da especialidade, onde não são produzidas industrialmente e, como tal, têm um paladar distinto.
Atualmente, existem ainda outro tipo de alheiras no mercado, que procuram responder à elevada procura.
Assim, já é possível comprar alheiras que utilizam carne de porco juntamente com a de aves, alheiras de caça e até a versão vegetariana, o que é claramente um sinal dos tempos, em que os produtores procuram também responder à procura de quem não consome produtos de origem animal.